Introdução
A definição do que pode ser considerado insumo para fins de creditamento das contribuições ao PIS e à COFINS no regime não cumulativo tem sido objeto de controvérsias entre Fisco e contribuintes desde a instituição do regime pelas Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003. A ausência de um conceito legal expresso gerou insegurança jurídica, levando o tema ao crivo do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que fixou importantes balizas nos Temas Repetitivos 779 e 780. Este artigo analisa os efeitos desse entendimento, suas implicações práticas e os limites legais e jurisprudenciais atualmente aplicáveis.
1. A evolução do conceito de insumo: da limitação normativa à interpretação judicial
Inicialmente, a Receita Federal regulamentou a matéria por meio das Instruções Normativas SRF nº 247/2002 e nº 404/2004, com um entendimento restritivo, equiparando insumo a bens e serviços diretamente aplicados na produção de bens ou na prestação de serviços. Essa definição foi alvo de críticas por limitar o alcance do regime não cumulativo, contrariando o princípio da efetividade tributária e a neutralidade econômica.
O STJ, ao julgar o REsp nº 1.221.170/PR, firmou o entendimento de que o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade e da relevância, critérios que levam em consideração a importância do bem ou serviço no processo produtivo da atividade-fim do contribuinte, superando assim a interpretação estrita das INs.
Tese Firmada – Tema 779
(a) é ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF ns. 247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, tal como definido nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003; e (b) o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte.
Tese Firmada – Tema 780
(a) é ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF ns. 247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, tal como definido nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003; e (b) o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte.
A aplicação prática desses critérios pode ser exemplificada por uma indústria alimentícia que utiliza luvas, toucas e jalecos descartáveis durante o processo de manipulação de alimentos. Embora esses itens não se incorporem fisicamente ao produto final, são essenciais para garantir a segurança sanitária da produção, sendo exigidos por normas da vigilância sanitária – e, portanto, geram direito ao crédito. Da mesma forma, uma empresa de transporte de valores que contrata serviços de segurança armada pode considerar tais serviços relevantes, pois sem eles a atividade fim não pode ser legalmente exercida. Esses exemplos demonstram que o insumo não se restringe à matéria-prima, devendo ser avaliado segundo a imprescindibilidade técnica ou a imposição regulatória para o exercício da atividade econômica do contribuinte.
No setor da construção civil, por exemplo, o aluguel de andaimes, betoneiras e equipamentos de proteção coletiva pode ser considerado essencial, já que tais itens são indispensáveis para a realização segura e eficaz da obra, sendo exigidos pelas normas técnicas e regulamentações trabalhistas. Já em uma clínica médica, os serviços terceirizados de esterilização de instrumentos e de descarte de resíduos hospitalares podem ser enquadrados como relevantes, uma vez que, embora não componham diretamente a prestação do serviço de saúde, são fundamentais para a continuidade da atividade e exigidos por regulamentações da ANVISA. Tais situações evidenciam que a análise do conceito de insumo deve ser casuística, considerando o papel que cada bem ou serviço desempenha dentro da cadeia produtiva específica do contribuinte.
No segmento varejista, especialmente em grandes redes de supermercados, a contratação de empresas especializadas em segurança patrimonial e monitoramento por câmeras pode configurar um insumo relevante, ainda que não esteja diretamente ligada à venda dos produtos. Tais serviços são indispensáveis para a proteção do estoque e para garantir a continuidade das atividades sem prejuízos, além de serem exigidos por normas sanitárias e municipais em determinados casos. Já o fornecimento de embalagens plásticas, sacolas e etiquetas de código de barras representa insumo essencial, pois tais itens viabilizam a operação básica do comércio e são inseparáveis do processo de venda direta ao consumidor. Esses exemplos mostram como os critérios da essencialidade e da relevância devem ser interpretados de forma objetiva, respeitando as especificidades da atividade econômica exercida.
Na agroindústria, os critérios de essencialidade e relevância ganham contornos específicos em razão da complexidade das etapas produtivas. Por exemplo, o uso de fertilizantes, sementes geneticamente modificadas, ração animal e defensivos agrícolas é considerado essencial, pois são insumos indispensáveis à obtenção do produto final, sendo impossível a produção sem sua utilização. Já serviços de análise de solo, consultoria agronômica e controle biológico de pragas, embora não integrem fisicamente o produto, podem ser classificados como relevantes, pois impactam diretamente na produtividade, qualidade e viabilidade econômica da safra. Além disso, determinados serviços contratados por exigência legal ou regulatória, como a destinação correta de resíduos e licenciamento ambiental, também podem se enquadrar como insumos relevantes, dada sua obrigatoriedade e reflexo sobre a operação regular da atividade rural industrializada.
2. O critério da essencialidade e da relevância: delimitações teóricas e operacionais
O voto da Ministra Regina Helena Costa detalhou os conceitos:
- Essencialidade: refere-se ao item do qual a atividade produtiva depende intrínseca e fundamentalmente, sendo insubstituível ou imprescindível para a realização da atividade econômica.
- Relevância: aplica-se aos itens que, embora não sejam indispensáveis, possuem função relevante em razão das particularidades do setor ou por imposição legal ou normativa.
Ambos os critérios devem ser analisados de forma objetiva, com base nas particularidades do processo produtivo do contribuinte, e não de modo subjetivo a partir da perspectiva do empresário.
“O critério da essencialidade refere-se ao item do qual dependa, intrínseca e fundamentalmente, o produto ou serviço oferecido pelo contribuinte. Trata-se, portanto, de elemento essencial e inseparável do processo produtivo ou da execução do serviço, de maneira que a sua ausência prejudique diretamente a qualidade, a quantidade ou a suficiência do resultado final.
Já o critério da relevância deve ser compreendido como aquele que, embora não indispensável à elaboração do produto ou à prestação do serviço, integra o processo de produção pelas singularidades de cada cadeia produtiva ou por imposição legal, assumindo papel relevante dentro do contexto específico da atividade econômica exercida.”
A Ministra Regina Helena Costa, relatora do Recurso Especial nº 1.221.170/PR, foi categórica ao afirmar que o conceito de insumo para fins de creditamento de PIS e Cofins não pode ser reduzido ao conteúdo literal ou restritivo das Instruções Normativas da Receita Federal. Em seu voto, a relatora estabeleceu uma interpretação teleológica e sistemática do regime da não-cumulatividade, alinhando-o com os princípios constitucionais da capacidade contributiva, isonomia e legalidade tributária.
Segundo a Ministra, “a análise quanto à possibilidade de creditamento não pode ser realizada em abstrato, mas deve observar a realidade fática e econômica da atividade empresarial desempenhada“. Isso significa que a essencialidade ou relevância do bem ou serviço deve ser verificada no contexto da operação concreta do contribuinte, e não com base em uma lista prévia e estanque de itens creditáveis.
Nesse sentido, o voto afirma que o critério da essencialidade é atendido quando o bem ou serviço “constitui elemento essencial e inseparável do processo produtivo ou da execução do serviço ou, quando menos, a sua falta lhes prive de qualidade, quantidade e/ou suficiência”. Já o critério da relevância “é identificável no item cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integra o processo de produção, seja: (a) pelas singularidades de cada cadeia produtiva; (b) seja por imposição legal”.
A relatora também enfatiza que essa interpretação busca “conferir concretude à sistemática da não-cumulatividade, tal como concebida pelas Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003”, e que a adoção de critérios demasiadamente restritivos, como os previstos nas INs SRF nº 247/2002 e 404/2004, resultaria “em esvaziamento do direito ao crédito, frustrando o objetivo de evitar a cumulatividade”.
Ademais, destaca-se no voto que “a atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte e as etapas do seu processo produtivo são fundamentais para avaliar a natureza do bem ou serviço”. Por isso, a análise do insumo não deve ser pautada pela percepção subjetiva do contribuinte, mas por uma abordagem objetiva e técnica, capaz de identificar a real função daquele item na cadeia de valor da empresa.
Por fim, a Ministra conclui que “a apuração do direito ao crédito exige do julgador uma análise minuciosa do caso concreto, confrontando o bem ou serviço com a atividade do contribuinte, à luz dos critérios da essencialidade e da relevância, não sendo admissível a adoção de regras fixas e inflexíveis que desconsiderem essa realidade econômica”.
3. Limites normativos ao creditamento: o que permanece vedado
Apesar do avanço representado pelo julgamento do STJ, permanecem vigentes vedações legais expressas ao creditamento, previstas nas Leis nº 10.637/2002, 10.833/2003 e 10.865/2004. Essas normas impõem restrições específicas, como:
- Créditos sobre despesas do regime cumulativo.
- Créditos de ativo imobilizado adquirido até abril de 2004.
- Créditos de alíquota adicional da COFINS-importação.
- Aquisições de pessoas jurídicas domiciliadas no exterior.
Essas limitações, por decorrerem da própria lei, não foram afastadas pelo julgamento do STJ, permanecendo como exceções legais ao regime da não cumulatividade.
Nesse sentido, cabe destacar, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) também tem enfrentado importantes discussões envolvendo o regime de não cumulatividade das contribuições ao PIS e à Cofins, especialmente no que diz respeito à vedação de créditos, limitações ao aproveitamento e critérios de constitucionalidade dessas restrições.
O Tema 244 da Repercussão Geral tratou da validade do artigo 31 da Lei nº 10.865/2004, que vedava o aproveitamento de créditos sobre bens do ativo imobilizado adquiridos até 30 de abril de 2004. O STF, por unanimidade, julgou inconstitucional essa limitação temporal, por considerá-la incompatível com os princípios da não cumulatividade e da isonomia tributária. A Corte entendeu que a norma impunha tratamento discriminatório entre contribuintes com base apenas na data de aquisição dos bens, violando o princípio da neutralidade do sistema tributário.
Tema 244 – Limitação temporal para o aproveitamento de créditos de PIS E COFINS.
Há Repercussão?
Sim
Relator(a):
MIN. MARCO AURÉLIO
Leading Case:
Descrição:
Recurso extraordinário interposto com base no art. 102, III, b, da Constituição Federal, em que se discute a constitucionalidade, ou não, do art. 31 da Lei nº 10.865/2004, que limita a possibilidade de aproveitamento de créditos de PIS – Programa de Integração Social e COFINS – Contribuição Financeira para a Seguridade Social decorrentes das aquisições de bens para o ativo fixo realizadas até 30 de abril de 2004.
Tese:
Surge inconstitucional, por ofensa aos princípios da não cumulatividade e da isonomia, o artigo 31, cabeça, da Lei nº 10.865/2004, no que vedou o creditamento da contribuição para o PIS e da COFINS, relativamente ao ativo imobilizado adquirido até 30 de abril de 2004
Exemplo prático: uma indústria que adquiriu maquinário em março de 2004 teve, por muito tempo, seu direito ao crédito negado com base nessa restrição legal. Com a decisão do STF, essa empresa pode agora pleitear o reconhecimento do direito ao crédito retroativo, desde que ainda não prescrito, inclusive via ação judicial.
Já o Tema 707 analisou a possibilidade de aproveitar créditos do PIS em operações com pessoas jurídicas domiciliadas no exterior. O STF, por maioria, reconheceu a constitucionalidade do artigo 3º, § 3º, I e II, da Lei nº 10.637/2002, que veda o creditamento de despesas com fornecedores estrangeiros. A Corte argumentou que não há violação aos princípios da isonomia ou livre concorrência, pois a norma busca estimular a contratação de empresas nacionais, sem impedir a operação com estrangeiros, apenas restringindo o benefício fiscal.
Tema 707 – Validade da restrição do direito a créditos da contribuição ao PIS apenas quanto aos bens, serviços, custos e despesas relacionados a negócios jurídicos contratados com pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil.
Há Repercussão?
Sim
Relator(a):
MIN. MARCO AURÉLIO
Leading Case:
Descrição:
Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 150, II; 152 e 170, IV, da Constituição federal, a constitucionalidade do art. 3º, § 3º, I e II, da Lei 10.637/2002, que veda a exclusão, da base de cálculo da contribuição ao PIS, de valores empregados na aquisição de bens e serviços de pessoas jurídicas domiciliadas no exterior, bem como de custos e despesas incorridos e aqueles pagos ou creditados a referidas pessoas jurídicas.
Tese:
Surge inconstitucional, por ofensa aos princípios da não cumulatividade e da isonomia, o artigo 31, cabeça, da Lei nº 10.865/2004, no que vedou o creditamento da contribuição para o PIS e da COFINS, relativamente ao ativo imobilizado adquirido até 30 de abril de 2004
Exemplo prático: uma empresa que importa serviços de software de uma empresa dos Estados Unidos não pode aproveitar créditos de PIS sobre essa contratação, mesmo que tais serviços sejam essenciais à sua operação. O custo será considerado uma despesa operacional, mas sem direito ao creditamento no regime não cumulativo.
Por fim, no Tema 1047, o STF julgou a constitucionalidade do adicional de 1% da alíquota da Cofins-Importação e a vedação ao aproveitamento de crédito sobre esse adicional. A Corte reconheceu que a majoração é válida, desde que respeite os princípios da legalidade e anterioridade, e que a proibição de creditamento não fere o princípio da não cumulatividade, por se tratar de um adicional com finalidade extrafiscal.
Tema 1047 – Constitucionalidade da majoração, em um ponto percentual, da alíquota da COFINS-Importação, introduzida pelo artigo 8º, § 21, da Lei nº 10.865/2004, com a redação dada pela Lei nº 12.715/2012, e da vedação ao aproveitamento integral dos créditos oriundos do pagamento da exação, constante do § 1º-A do artigo 15 da Lei nº 10.865/2004, incluído pela Lei nº 13.137/2015.
Há Repercussão?
Sim
Relator(a):
MIN. MARCO AURÉLIO
Leading Case:
Descrição:
Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 5º, inciso II, 150, inciso II, 151, 152, 154, inciso I, 194, inciso V, e 195, parágrafos 4º e 12, da Constituição Federal, a constitucionalidade da majoração, em 1%, da alíquota da COFINS-Importação, introduzida pelo § 21 do artigo 8º da Lei nº 10.865/2004, com a redação dada pela Lei nº 12.715/2012, e da vedação ao aproveitamento integral dos créditos tributários, constante do § 1º-A do artigo 15 da Lei nº 10.865/2004, incluído pela Lei nº 13.137/2015.
Tese:
I- É constitucional o adicional de alíquota da Cofins-Importação previsto no § 21 do artigo 8º da Lei nº 10.865/2004; II- A vedação ao aproveitamento do crédito oriundo do adicional de alíquota, prevista no artigo 15, § 1º-A, da Lei nº 10.865/2004, com a redação dada pela Lei 13.137/2015, respeita o princípio constitucional da não cumulatividade. II- A vedação ao aproveitamento do crédito oriundo do adicional de alíquota, prevista no artigo 15, § 1º-A, da Lei nº 10.865/2004, com a redação dada pela Lei 13.137/2015, respeita o princípio constitucional da não cumulatividade.
Exemplo prático: ao importar insumos com incidência de 8,6% de Cofins-Importação (7,6% + 1% adicional), a empresa poderá se creditar apenas dos 7,6%, ficando o adicional de 1% como custo absorvido pela operação. Essa limitação pode impactar a competitividade de alguns setores industriais que dependem fortemente de insumos importados.
Essas decisões demonstram que, embora o STF reconheça a amplitude do regime da não cumulatividade, admite restrições legais quando justificadas por critérios constitucionais válidos, como incentivo à indústria nacional, razoabilidade, e equilíbrio fiscal. Para os contribuintes, é essencial compreender esses limites para avaliar corretamente o aproveitamento dos créditos e mitigar riscos tributários.
4. A obrigatoriedade da observância do conceito pelo Fisco
Após o julgamento do REsp nº 1.221.170/PR pelo Superior Tribunal de Justiça (Tema 779), o conceito de insumo para fins de creditamento de PIS e Cofins passou a ser balizado pelos critérios da essencialidade e relevância. Esse novo entendimento obrigou a administração tributária a readequar sua postura institucional. Em resposta a isso, dois documentos técnicos foram editados para uniformizar a atuação dos agentes fazendários: a Nota SEI nº 63/2018, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), e o Parecer Normativo COSIT nº 05/2018, da Receita Federal do Brasil (RFB).
A Nota SEI nº 63/2018 reconhece expressamente que, a partir da fixação da tese pelo STJ, não cabe mais à PGFN discutir o mérito da controvérsia em juízo. Ou seja, trata-se de matéria inserida na lista de dispensa de contestação e recursos, o que significa que os procuradores da Fazenda Nacional devem se abster de recorrer em ações judiciais que envolvam o tema, salvo em situações pontuais de distinção (distinguishing) aplicáveis ao caso concreto.
“A tese firmada pelo STJ deve ser observada pela PGFN e, por isso, deve ser inserida na lista de dispensa de contestar e recorrer.”
(Nota SEI nº 63/2018, p. 6)
Além da orientação aos procuradores, a Nota SEI também impõe efeitos práticos para os próprios auditores-fiscais da Receita Federal, indicando que devem respeitar o entendimento vinculante do STJ quando da análise dos pedidos de compensação ou ressarcimento dos créditos de insumos, sem se ater aos critérios restritivos outrora fixados pelas Instruções Normativas SRF nº 247/2002 e 404/2004.
“A PGFN, a partir do momento em que reconhece a existência de entendimento judicial consolidado a respeito da matéria, deve orientar a atuação dos seus membros, bem como dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil.”
(Nota SEI nº 63/2018, p. 9)
Já o Parecer Normativo COSIT nº 05/2018 veio reforçar essa diretriz dentro do âmbito da Receita Federal. O documento afirma de forma categórica que o novo critério de essencialidade/relevância deve orientar a análise técnica da fiscalização e as decisões administrativas relativas ao aproveitamento de créditos.
“O conceito de insumo, para fins do art. 3º, inciso II, das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003, deve ser interpretado segundo os critérios da essencialidade ou relevância, nos moldes definidos pelo Superior Tribunal de Justiça.”
(Parecer Normativo COSIT nº 05/2018, item 2)
De modo didático, isso significa que, na prática, insumos como uniformes, equipamentos de proteção individual, serviços de limpeza industrial ou transporte interno de mercadorias, quando demonstrada sua importância no processo produtivo ou prestação de serviços da empresa, devem ser considerados aptos a gerar créditos. A autoridade fiscal não pode mais indeferir esses pedidos com base exclusivamente nos parâmetros normativos antigos, sob pena de afrontar a jurisprudência superior e os atos normativos internos da própria RFB e PGFN.
“O auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil deve aplicar diretamente o entendimento do STJ, sendo-lhe vedado adotar interpretação em sentido contrário, ainda que anteriormente respaldada por atos normativos da administração tributária.”
(Parecer Normativo COSIT nº 05/2018, item 32)
Outro ponto importante do parecer é a ênfase nos efeitos retroativos do entendimento judicial. O Parecer COSIT reconhece que o novo conceito deve ser aplicado inclusive a fatos geradores passados, respeitado apenas o prazo decadencial para a revisão do crédito. Isso amplia a segurança jurídica e possibilita a recuperação de valores pagos nos últimos cinco anos.
“A orientação ora firmada aplica-se também aos créditos apurados em relação a fatos geradores ocorridos anteriormente à sua publicação.”
(Parecer Normativo COSIT nº 05/2018, item 35)
Portanto, tanto a Nota SEI nº 63/2018 quanto o Parecer Normativo COSIT nº 05/2018 obrigam a Administração Tributária a seguir o entendimento do STJ, assegurando que os contribuintes tenham respeitado seu direito ao crédito tributário sempre que o bem ou serviço for considerado essencial ou relevante à sua atividade econômica, independentemente de classificações prévias ou listas administrativas limitativas.
5. Jurisprudência complementar e tendências interpretativas
A definição do conceito de insumo para fins de creditamento do PIS e da Cofins no regime não cumulativo, embora tenha sido pacificada pelo STJ no REsp 1.221.170/PR (Tema 779), continua sendo objeto de interpretações complementares nos tribunais superiores e no âmbito administrativo, especialmente no CARF. Essas decisões agregam camadas de entendimento relevantes para a aplicação prática da tese e para a segurança jurídica dos contribuintes.
5.1 Tema 179 do STF – Inexistência de créditos anteriores à opção pelo regime não cumulativo
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 179 (RE 587.108/PR), analisou a possibilidade de aproveitamento de créditos de PIS e Cofins com base nos estoques existentes no momento da transição do regime cumulativo para o não cumulativo. A Corte reafirmou a constitucionalidade das limitações legais impostas pela Lei nº 10.637/2002 e Lei nº 10.833/2003, concluindo que o direito ao crédito somente nasce com a adoção do regime não cumulativo, não sendo possível creditamento de despesas ou insumos adquiridos anteriormente.
Tese fixada:
“Em relação às contribuições ao PIS/COFINS, não viola o princípio da não-cumulatividade a impossibilidade de creditamento de despesas ocorridas no sistema cumulativo, pois os créditos são presumidos e o direito ao desconto somente surge com as despesas incorridas em momento posterior ao início da vigência do regime não-cumulativo.”
Exemplo prático:
Uma empresa que aderiu ao regime não cumulativo em janeiro de 2020 não poderá aproveitar créditos sobre mercadorias estocadas que foram adquiridas em dezembro de 2019. Tais aquisições ocorreram sob o regime cumulativo, e, portanto, não geram direito ao crédito.
5.2 Temas do STJ – Tributação monofásica e exceções
Outra jurisprudência relevante é a firmada no Tema 1093 do STJ, que reafirmou a vedação ao aproveitamento de créditos sobre insumos adquiridos sob a sistemática monofásica. Nessa sistemática, o recolhimento do PIS e da Cofins é concentrado no fabricante ou importador, o que impede o creditamento nas fases seguintes da cadeia.
Contudo, o STJ abriu uma importante exceção: é possível manter os créditos em relação a vendas realizadas com suspensão, isenção, alíquota zero ou não incidência, quando expressamente autorizado por lei.
Tese fixada (Tema 1093 – STJ):
“É incabível o creditamento da contribuição ao PIS e da Cofins no regime não cumulativo em relação a bens ou serviços sujeitos à tributação concentrada (monofásica), salvo previsão legal expressa permitindo o aproveitamento do crédito em operações posteriores.”
Exemplo prático:
Um supermercado que revende produtos de higiene pessoal sujeitos ao regime monofásico (tributados na indústria) não pode gerar créditos de PIS/COFINS sobre essas aquisições. No entanto, se fizer venda com isenção autorizada por lei, poderá manter o crédito gerado na etapa anterior.
5.3 Súmulas do CARF – Detalhamentos e limites operacionais
A jurisprudência administrativa, especialmente do CARF, tem se consolidado em torno de súmulas que orientam as decisões das turmas julgadoras. Essas súmulas são vinculantes, nos termos da Portaria ME nº 410/2020, e possuem aplicação imediata nas discussões fiscais.
Súmula CARF nº 157:
“O percentual da alíquota do crédito presumido das agroindústrias será determinado com base na natureza da mercadoria produzida, e não em função da origem do insumo utilizado.”
Aplicação prática: uma agroindústria que utiliza insumos vegetais para produzir derivados animais deverá calcular o crédito com base no produto final (origem animal).
Súmula CARF nº 188:
“É permitido o aproveitamento de créditos sobre as despesas com fretes na aquisição de insumos não onerados, desde que o frete, destacado da mercadoria, tenha sido efetivamente tributado pelo PIS/COFINS.”
Exemplo prático: um distribuidor que paga frete para trazer mercadorias isentas de PIS/COFINS ainda poderá aproveitar o crédito sobre o serviço de frete, se este foi tributado e destacado na nota fiscal separadamente.
Súmula CARF nº 189:
“Os gastos com insumos do insumo (fase agrícola) também geram direito ao crédito de PIS/COFINS.”
Exemplo prático: uma fazenda que compra sementes para produzir soja, e aplica fertilizantes sobre as sementes antes da semeadura, pode gerar crédito sobre os fertilizantes, ainda que eles não estejam no produto final – pois são insumos de um insumo essencial.
Súmula CARF nº 190:
“Os gastos com locação de veículos de transporte de carga ou passageiros não geram créditos de PIS/COFINS.”
Exemplo prático: um operador logístico que aluga caminhões de terceiros para entregar seus produtos não pode gerar créditos sobre os valores pagos pela locação desses veículos.
Conclusão
A evolução da jurisprudência sobre o conceito de insumo no regime não cumulativo de PIS/COFINS trouxe avanços significativos para a segurança jurídica dos contribuintes. As decisões do STJ e do STF estabeleceram limites claros sobre quem pode gerar crédito, quando o crédito nasce e em quais circunstâncias ele pode ser mantido. As súmulas do CARF, por sua vez, detalham situações operacionais comuns e delimitam com mais precisão as hipóteses permitidas e vedadas de creditamento.
Diante disso, é indispensável que as empresas realizem uma análise técnica minuciosa e documentada, com apoio contábil e jurídico, para identificar corretamente seus insumos essenciais e relevantes. Além disso, devem estar atentas às provas exigidas – como relatórios de produção, fichas técnicas, e documentos fiscais – para mitigar o risco de glosa fiscal e garantir o efetivo aproveitamento dos créditos tributários.

Quem Sou
Hudson da Costa
É Advogado Tributarista, Professor de Direito, presta serviços de assessoria jurídica na área empresarial e tributária. atuante em projetos de planejamento sucessório (PPS) e Holdings patrimoniais. É Palestrante e ministra treinamentos para Acadêmicos e Empresários sobre Gestão Tributária e Recuperação de Impostos.
ASCOM Avelino & Costa – 08 de outubro de 2025